Sheila Ornstein e a qualidade na habitação

A habitação é atualmente uma das maiores necessidades de construção do País a ser atendida devido ao grande déficit que esta área apresenta, especialmente em qualidade. Nesse contexto, o melhoramento técnico-científico do conhecimento e da mão de obra é imprescindível para que a evolução e a aplicação correta das técnicas construtivas estejam alinhadas à demanda do mercado atual, com todas as exigências plenamente atendidas.

A avaliação pós-ocupação (APO), ferramenta para mensuração com base no olhar das necessidades do usuário, vem ganhando cada vez mais espaço, pois o uso dessa metodologia viabiliza um maior entendimento das técnicas aplicadas a determinada construção e os impactos positivos e negativos obtidos após sua ocupação.

Assim, para cada nova construção com base em informações levantadas por uma APO anterior, consegue-se aplicar a um novo projeto novas qualificações, como redução no tempo de elaboração e construção, maior satisfação do cliente, diminuição de custos, entre outros benefícios.

Ciente dessa demanda, a Editora Oficina de Textos lançou o livro Qualidade ambiental na habitação: avaliação pós-ocupação, organizado por Simone B. Villa e Sheila W. Ornstein. Essa publicação contribui muito para o mercado de Arquitetura, além de ser referência para os docentes, alunos e profissionais da área com foco nos estudos da metodologia e aplicações da APO.

Sheila W. Ornstein nos concedeu uma entrevista sobre a APO e a obra. A arquiteta dedica boa parte de sua vida profissional aos estudos da APO, sendo uma das pioneiras no País a publicar um livro sobre esse tema. Confira a entrevista a seguir!

Comunitexto (CT): Por que a avaliação pós-ocupação (APO) é importante e quais os benefícios que essa ferramenta pode trazer aos projetos construtivos de arquitetura?

Sheila Walbe Ornstein (SWO): A APO é importante para os projetos de Arquitetura, pois se trata de um conjunto de métodos e técnicas para avaliação de desempenho em uso de edificações e ambientes construídos que leva em consideração não somente o ponto de vista dos especialistas, mas também a satisfação dos usuários, possibilitando diagnósticos consistentes e completos sobre os aspectos positivos e negativos encontrados nos ambientes construídos e que irão fundamentar as recomendações e as intervenções para os edifícios estudos de caso, e também para futuros projetos semelhantes, definindo assim um ciclo realimentador da qualidade no processo de projeto da habitação.

CT: Toda construção pede o uso da APO ou o uso desse instrumento somente é válido para construções mais complexas?

SWO: A aplicação da APO deveria estar implícita no cotidiano de todos os profissionais nos campos da Arquitetura e da Engenharia Civil, ou seja, saber como se comportam efetivamente as edificações deveria ser uma prática corrente de todos os projetistas preocupados com a qualidade da habitação e do ambiente construído e que assim prezam pelo atendimento às expectativas de seus clientes e dos usuários.

A APO pode ser adotada no caso de uma simples habitação familiar até um hospital. Aliás, atender às especificidades de uma determinada família que busca a “casa dos sonhos” pode ser às vezes mais difícil do que o atendimento a um programa de necessidades hospitalares. De todo o modo, a meu ver, a APO é imprescindível no caso de edificações complexas (aeroportos, estações metroviárias, hospitais, estádios) e edificações “repetitivas” como empreendimentos habitacionais (verticalizados, várias torres ou horizontais, um conjunto de habitações unifamiliares).

CT: Atualmente, no Brasil, a APO é um instrumento consolidado e aplicado ao processo construtivo de edifícios?

SWO: Não, ainda não. A APO é um conjunto de métodos e técnicas amplamente disseminado no ensino e na pesquisa em escolas de Arquitetura, porém ainda não podemos dizer que está inserido nas rotinas do mercado imobiliário. Todavia, desde a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (início da década de 1990) e da NBR 15575 (ABNT, 2013) – que rege o desempenho mínimo das edificações –, ela é incorporada gradativamente nas práticas das construtoras, dos gerentes de facilidades e de alguns escritórios de arquitetura, sobretudo no caso daqueles que atuam com projetos de interiores de ambientes de trabalho.

Seria também interessante que nas políticas públicas adotadas, como no caso de programas como o Minha Casa, Minha Vida e estádios de futebol renovados, por exemplo, a APO fosse adotada pelos gestores desses empreendimentos habitacionais como procedimento de avaliação do próprio programa no que concerne à qualidade construtiva final dessas edificações e à satisfação dos moradores e/ou usuários.

CT: Alguns países, desde a década de 1960, utilizam a APO continuamente. Em termos metodológicos, existe alguma diferença entre o que é aplicado no exterior e no Brasil?

SWO: Sim, há algumas práticas correntes de APO, como em alguns estados dos Estados Unidos, na Nova Zelândia e na Grã-Bretanha. A diferença principal no caso dos países desenvolvidos é que neles há a possibilidade de se deter mais nos aspectos do conforto psicológico e da satisfação dos usuários, já que todas as normas de desempenho são rigorosamente cumpridas. No caso do Brasil, quando fazemos a APO, precisamos equilibrar igualmente a visão dos especialistas e a visão dos usuários, pois precisamos sempre aferir se as normas de desempenho são atendidas.

CT: Qual a demanda pelo profissional com conhecimentos em APO no mercado?

SWO: A APO está inserida no currículo mínimo de arquitetura que deve ser oferecido por toda e qualquer escola de arquitetura no País. Podemos ter desde graduados em Arquitetura com formação na área até especialistas com cursos de especialização, mestrado ou doutorado com ênfase em APO. Esses profissionais são treinados para ter um olhar mais crítico sobre os próprios projetos de arquitetura e assim tendem a se preocupar com a qualidade no processo de projeto desde o programa de necessidades.

Também as construtoras e o campo do facility management tendem a se beneficiar desse profissional, já que ele é treinado para utilizar instrumentos como checklists para realizar gestão de obras e também a gestão da manutenção, uso e operação de empreendimentos. Enfim, o mercado pode se valer de um profissional que tem como premissa a busca da qualidade desde o programa de necessidades até a manutenção da edificação em uso. Há também consultores nos campos do conforto ambiental, eficiência energética e acessibilidade, e outros se valem dos princípios da APO no seu cotidiano profissional.

CT: Recentemente a senhora, em conjunto com Simone Villa, lançou o livro Qualidade ambiental na habitação: avaliação pós-ocupação. Qual o objetivo desta obra?

SWO: O objetivo foi apresentar, segundo um eixo único, todos os elementos metodológicos e temáticos contemporâneos da APO. O leitor poderá apreciar visões atuais sobre a APO e importantes referências bibliográficas sobre o tema, além de aplicações acadêmicas e profissionais no País e no exterior.

CT: A obra conta com um seleto time dos principais especialistas na área de APO no Brasil e coleta conhecimentos desenvolvidos ao longo de mais de 30 anos de pesquisas sobre a temática. Diante disso, quais foram os maiores desafios encontrados na elaboração deste livro?

SWO: Foi um trabalho muito prazeroso e tranquilo, pois todos os autores estavam muito motivados a contribuir com os seus conhecimentos mais avançados sobre APO. E certamente foi um desafio, pois tanto eu como a Simone como organizadoras não queríamos conduzir uma simples coletânea de textos, mas sim apresentar ao leitor um eixo central claro do livro que mostrasse a sua coesão e integração entre capítulos. Também há muito material inédito e importante para pesquisadores na área. Para os alunos de graduação serve como livro-texto, pois a maioria dos capítulos associa a APO com a busca da qualidade arquitetônica e a realimentação das diretrizes de projeto.

CT: Os três capítulos finais, ampliando ainda mais o contexto da obra, apresentam as colaborações de experiências internacionais da Holanda, Inglaterra e Portugal. Qual a importância desses capítulos para o livro e para o conhecimento da APO no Brasil?

SWO: O capítulo dos colegas de Portugal chama a atenção para a aplicação da APO pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) no relevante programa de reabilitação dos empreendimentos habitacionais portugueses, sobretudo nos últimos dez anos. No caso do Reino Unido, o destaque é para as pesquisas em APO com foco em sustentabilidade, tema cada vez mais importante no Brasil e com a qual a APO pode contribuir. Finalmente, no caso holandês, os pesquisadores buscam conhecimentos voltados à eficiência energética e a sua certificação a partir de APOs aplicada em habitações, jogando luz a um tema já recorrente nas pesquisas no Brasil, porém ainda não totalmente consolidado.

CT: Para finalizarmos, qual a importância dessa obra para o conhecimento da avaliação pós-ocupação?

SWO: Trata-se de livro que reúne, depois de 20 anos de APO no Brasil, aquilo que se produziu de melhor no País, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, sendo leitura recomendada para projetistas, construtores, pesquisadores e alunos no campo da construção civil.


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A obra Qualidade ambiental na habitação: avaliação pós-ocupação reúne contribuições valiosas dos principais pesquisadores brasileiros e expoentes internacionais na área da Avaliação Pós-Ocupação (APO). É leitura fundamental para pesquisadores da área de arquitetura e referência valiosa para os profissionais projetistas e construtores preocupados com a qualidade de sua produção.

Capa de Qualidade ambiental na habitação.

Sobre as organizadoras

Simone Barbosa Villa é doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP) na subárea de Tecnologia da Arquitetura, mestre em Arquitetura e Urbanismo, Tecnologia do Ambiente Construído pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP) e graduada em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Moura Lacerda. É docente e coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Projeto de Arquitetura e do [MORA]: Pesquisa em Habitação, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). É parecerista ad hoc das Revistas Ambiente Construído e Horizonte Científico. Tem experiência em Projeto de Edificações, atuando principalmente nos seguintes temas: Habitação Unifamiliar e Plurifamiliar (Apartamentos), Avaliação Pós-Ocupação dos edifícios, Habitação de Interesse Social (HIS) e estudos de viabilidade de projetos para o mercado imobiliário habitacional.

Sheila Walbe Ornstein é arquiteta e urbanista formada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP). Atualmente é diretora do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. É pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e especialista em Avaliação Pós-Ocupação e gestão na qualidade de projetos, além de autora e coautora de diversas publicações: livros, artigos e capítulos de livros no país e no exterior.