As grandes regiões biogeográficas do planeta

Desde que as ideias evolucionistas de Darwin passaram a ser aceitas como explicação do processo de diversificação da vida na Terra, ficou evidente que as diferenças entre faunas e floras de continentes distintos deveriam ser resultado de histórias evolutivas diferenciadas.

Hoje se compreende perfeitamente que a movimentação dos continentes ao longo da história geológica como decorrência das dinâmicas de afastamento e aproximação das placas tectônicas, associada às flutuações climáticas de longo prazo, foi a responsável por processos evolutivos diferenciados em vários pontos da superfície terrestre, o que levou a uma diferenciação significativa na composição da fauna e da flora em cada uma das assim chamadas regiões biogeográficas do planeta.

Na primeira metade do século XIX, todavia, não existia ainda a principal chave para a compreensão desse fenômeno, que é a aceitação e o entendimento da deriva continental, cuja teoria, central para a explicação do movimento dos continentes, foi proposta pela primeira vez por Alfred Wegener em 1912 e só completamente aceita a partir da metade do século XX.

A ocorrência fóssil da flora de Glossopteris na África, Austrália, Antártida, sul da América do Sul e Índia, as semelhanças no recorte litorâneo das Américas, da Europa e da África e a similitude de rochas e dinâmicas estratigráficas entre esses continentes foram alguns dos elementos que levaram esse autor a propor, por meio da teoria mencionada, que todos os continentes atuais foram originalmente parte de um único supercontinente, chamado de Pangeia.

No entanto, como naquele momento ainda não havia nenhum mecanismo geológico conhecido capaz de fragmentar e mover continentes inteiros, essa teoria precisou esperar até a década de 1950 para que pudesse fazer sentido, com a descoberta da movimentação das placas tectônicas.

Mesmo sem uma compreensão global dos mecanismos que promoveram tal diferenciação, o botânico alemão Adolf Engler (1844-1930) propôs, em 1879, uma primeira divisão ecológica do planeta levando em conta a distribuição de floras regionais visivelmente distintas.

Basicamente, ele dividia o mundo em quatro grandes zonas:

  •  o domínio boreal extratropical, englobando a América do Norte, a Europa e o continente asiático ao norte do Himalaia;
  • o domínio paleotropical, englobando o continente africano do Saara para o sul, até as Índias Orientais;
  • o domínio sul-americano, englobando a América do Sul e a América Central, até o México;
  • o domínio do velho oceano, estendendo-se da costa chilena, passando pelo extremo sul da África, pelas ilhas do Atlântico Sul e pelo Oceano Índico, até a Austrália e parte da Nova Zelândia.

Da mesma forma que Engler, Philip Sclater propôs, em 1858, um esquema para a divisão ecológica do planeta levando em conta a distribuição dos principais grupos de aves, partindo do princípio de que todas as espécies haviam sido criadas dentro da área na qual são encontradas hoje em dia. Essa divisão acabou sendo aceita e aprimorada por Alfred Russel Wallace, que incluiu dados de outras tantas espécies de vertebrados, incluindo mamíferos não voadores, os quais deveriam refletir as divisões naturais do planeta com mais precisão, tendo em vista as suas dificuldades de dispersão.

Ao aperfeiçoar a proposta de Sclater, Wallace propôs, em 1876, um mapa detalhado das seis regiões biogeográficas do planeta, documento este que serviu como referência para os biogeógrafos por mais de um século, permanecendo sem nenhuma modificação.

Mapa das seis regiões biogeográficas do planeta, proposto em 1876. Paleotropical na América do Norte, Neotropical na América do Sul, Etíope na África, Paleártica na Europa, centro e leste da Ásia e Oriente Médio, Oriental no sul da Ásia, e Australiana na Oceania.

Mapa das seis regiões biogeográficas proposto por Wallace em 1876 (Imagem retirada do livro Biogeografia de Adriano Figueiró e publicado pela Oficina de Textos)

Ben G. Holt e um grupo de cientistas redividiram as seis regiões biogeográficas de Wallace em 11 regiões com base em informações mais detalhadas de distribuição de 20.000 espécies de aves, mamíferos e anfíbios, conforme a imagem a seguir.

Mapa das 11 regiões biogeográficas proposto por Holt. Neártica na América do Norte; Panamenha na América Central; Neotropical na América do Sul; Paleártica na Europa e Rússia, Saaro-arábica no Oriente Médio e norte da África, Afrotopical no resto da África, Malgache em Madagascar, Sino-japonesa no leste asiático, Oriental no sul asiático, Australiana na Oceania e Oceânica nas ilhas ao redor da Austrália.

Mapa das 11 regiões biogeográficas proposto por Ben G. Holt com um grupo de cientistas no artigo “An update of Wallace’s zoogeographic regions of the world” (Imagem retirada do livro Biogeografia de Adriano Figueiró e publicado pela Oficina de Textos)

Além da localização de um número maior de espécies de que dispunha Wallace, a atualização do mapa também levou em conta os registros de DNA dessas espécies, o que permitiu recompor relações de ancestralidade entre elas.


Para saber mais

Esta matéria foi retirada do livro Biogeografia: dinâmicas e transformações da natureza de Adriano Figueiró, publicado pela Oficina de Textos. Uma das áreas de conhecimento mais fascinantes, o livro trata da relação entre seres vivos, sociedade e os diferentes elementos das paisagens, suas dinâmicas e transformações ao longo do tempo.

Com essa abordagem, Biogeografia preenche uma importante lacuna na bibliografia nacional, avançando alguns passos na construção de uma Biogeografia Brasileira. Serve como referência para estudantes e profissionais de Geografia, Biologia, Agronomia e Ecologia e abre os horizontes ao público amplo.

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